Não é fácil ter os timings certos para a partilha de alguns artigos. Mas sinto o dever de partilhar as experiências que tenho, mais antigas ou mais recentes, melhores ou piores, para que fique na memória de uma pessoa que seja, um nome, uma imagem, um prato... um interesse que seja para futura (ou passada) referência.
E há um nome que quero que todos retenham neste post, Vítor Claro. Foi ele o chef à frente do restaurante homónimo, no hotel Solar Palmeiras, em Paço de Arcos, terra que me viu nascer e crescer. E demorei tempo demais a conhecer a sua fantástica cozinha, algo que me pesa ainda mais agora que fechou e não sei quando a poderei voltar a experimentar. O Vítor decidiu dedicar-se a tempo inteiro à produção do seu próprio vinho, encerrando assim um dos restaurantes que mais cartas deu nos últimos anos, havendo mesmo quem dissesse que poderia estar próximo de ganhar a sua 1ª estrela Michelin. Esperemos que a sua ausência das cozinhas seja breve.
Antes de começar a falar sobre a fantástica refeição de 3 horas que fiz no Claro, no passado mês de Setembro, um agradecimento para o serviço exemplar do seu sommelier Thomas Domingues, que nos acompanhou durante toda a viagem.
Antes de ir ao Claro, li tudo o que havia para ler em blogues e sites sobre o chef, sobre os menus que apresentava, sobre o seu tipo de cozinha e criei as minhas próprias expectativas sobre o que esperar. Penso que nos devemos tentar informar o melhor possível sobre os sítios, principalmente quando vamos a um restaurante de autor. Perceber se o restaurante será o mais correcto para nós, se o tipo de técnicas usadas se enquadra nos nossos gostos. Pessoalmente não tenho muitos problemas com isso, pois sou um curioso natural, mas acabei por aprender que Vitor Claro apresentava pratos "simples" com os elementos bastante bem trabalhados, principalmente no que a caldos se diz respeito. E foram nesses pormenores que fui tentando ter mais atenção e também que me levaram a ter bastante curiosidade pela sua cozinha.
Começámos com um Couvert bastante simples, com pão, focaccia e manteiga, tudo feito na casa e de um bom nível mas sem a variedade que poderia estar à espera deste tipo de restaurante.
Fizemos o wine pairing, sugerido pelo Thomas, ainda que numa versão mais reduzida pois não queríamos sair completamente ébrios do restaurante, deixando as memórias bem vivas. Como tal, começámos com um fantástico espumante Quinta das Bageiras (Bruto Natural, 2014), feito sem qualquer adição de açúcar mas de uma doçura considerável, que acompanhou os primeiros dois pratos.
O primeiro prato era, até à data, talvez o mais icónico do Claro, com a sua interpretação do Bacalhau à Conde da Guarda, um prato com um impacto visual muito grande mas onde é promovida a simplicidade de ingredientes e os seus contrastes. Quente da quenelle de bacalhau com o frio do tomate, salgado contra acidez, cremosidade contra granularidade. Seria perfeito, não houvesse uma espinha no meu prato, algo que acho pouco admissível neste tipo de restaurante, mas o ar de "pânico" do empregado que recolheu o prato retratou bem o quão improvável e anormal é isto acontecer.
Bastante bom também o Filete de Carapau Alimado, mas gosto deste tipo de pratos mais avinagrados do que o que nos foi apresentado. Talvez o prato menos surpreendente e inovador de toda a visita, mas, ainda assim, um bom prato.
Para os seguintes pratos o Fossil (Branco, 2014) do Vale da Capucha.
A seguir, uma homenagem a um dos chefs com quem trabalhou, Santi Santamaria, na forma de um Raviolo de Gambas e Cogumelos, onde a gamba é trabalhada de forma exemplar a fazer o invólucro que protegem uns óptimos cogumelos salteados. Mais uma vez, simplicidade e uma brilhante execução, tal e qual o que esperaria de Vitor Claro.
Chegou a hora do momento menos conseguido da refeição, com um prato que não nos encheu as medidas e que não conseguiu fazer sentido para nós, a Terrina de Foie Gras de Pato e Alperce Seco Cozido com Especiarias. O alperce não conseguiu cortar na perfeição a riqueza do foie, principalmente por este se apresentar cru, e o sabor a funcho era demasiado pronunciado sobre todo o conjunto.
Continuámos com um Nieeport Dão (Branco, 2015).
Depois de um momento menos bom, mais um momento que nos fez soltar aqueles gemidos pecaminosos de satisfação com um perfeito Choco Grelhado com Molho Romesco. E quando digo perfeito, é mesmo perfeito! Um choco comprado na praça local, levemente passado na brasa mas o suficiente para trazer um pouco do sabor a grelhado para o choco e com uma textura perfeita.
A Essência de Lavagante mostra a versatilidade deste chef nos seus caldos, com o lavagante perfeito na sua textura, a nadar num caldo trabalhado com caramelo. Mais um prato perfeito e de se sorver todas as gotas que existam na taça.
Thomas decidiu então passar para o tinto, abrindo as hostilidades com o vinho produzido por si próprio, em conjunto com Vitor Claro, o Foxtrot Dominó (Tinto, 2014), surpreendendo bastante a sua escolha porque o primeiro prato que iria acompanhar seria um prato de peixe. E que bem ligou...
...com o Filete de Linguado à Delícia, um prato inspirado no que se servia nalguns restaurantes de cozinha francesa da Linha de Cascais no século XX, que junta um delicadíssimo filete de linguado à doçura da banana caramelizada e à acidez dos cornichons.
O Foxtrot Dominó acompanhou ainda aquele que foi o prato da noite, e um dos Melhores que experimentei em 2016, o Caldo de Bivalves, Coentros e Presa de Porco. Se havia pratos que até agora tinham estado perfeitos, este alcançou todo um novo nível que até agora eu desconhecia, muito graças aos filetes de sardinha "surpresa" e que me espancaram o palato com a imensidão de sabor que continham. Sim, é estranha e arriscada esta combinação de sardinha e porco com um caldo de bivalves à mistura mas é inexplicavelmente bom.
Mudou-se o vinho para um Moinho do Gato (Tinto, 2014) da Quinta do Romeu.
E chegámos ao expoente máximo dos caldos que aqui eram feitos, com o Rosbife Laminado e Molho do Assado, onde a quantidade de umami que invade a boca através do molho é, atrevo-me a dizer, demais. A carne perfeita e algumas folhas de manjericão e hortelã para dar frescura ao conjunto tornaram este momento em mais um prato fantástico.
Ao longo da refeição notou-se um padrão nas influências que actuavam na cozinha, fosse pelas anteriores experiências laborais de Vítor Claro, fosse pelas convivências gastronómicas que tem, como é o caso do Leite Creme Bonsai, uma receita do restaurante Bonsai, do tempo de Mio e Ricardo Komori.
Para terminar uma longa e fantástica refeição, e numa altura em que o nosso estômago já não tinha espaço para muito mais, um Moscatel de 2014 da Casa Agrícola Horácio Simões (sobre a qual já falei aqui).
Que acompanhou a última sobremesa, na forma de uma Ameixa de Elvas e Massapão. Uma nota de boca já demasiado doce para o meu palato mas as texturas e os sabores tão tipicamente portugueses estavam lá perfeitamente representados.
O estereótipo que existe em volta da alta cozinha e (vou usar um termo que não gosto muito de usar) "gourmet" faz algumas pessoas pensar em pratos demasiado elaborados para as "caganitas" apresentas, sem sentido e sem sabores aprumados, sendo cobrados de forma excessiva.
Vitor Claro prova a todas essas pessoas o contrário. Base de sabores bastante portuguesa, com os ingredientes certos a destacarem-se em cada prato e com uma procura pela perfeição dos sabores em cada prato. E esteve quase sempre perfeito! O que torna justificável e justo o preço cobrado por uma experiência como esta.
Um restaurante e um chef que deixarão saudades... Daí a necessidade que senti em escrever este texto mesmo com o restaurante já encerrado (e também pelo estímulo provocado por uma acção semelhante no blog Ovo Cru).
Claro
Paço de Arcos, Portugal
Preço Médio: < 60 €
Data da Visita: 7 de Setembro 2016