domingo, 30 de julho de 2017

Boi-Cavalo (Alfama)

Hugo Brito é um dos chefs do momento em Lisboa. Desde que abriu o Boi-Cavalo em 2014, com Pedro Duarte mas tomando as rédeas do projecto a solo em 2015, que se tem vindo a destacar na cena gastronómica da capital como um dos novos chefs a ter em conta. Tanto que foi um dos chefs a subscrever o Manifesto para o Futuro da Cozinha Portuguesa (aqui), proclamado no Peixe em Lisboa, conjuntamente com outros colegas bastante relevantes. A lista completa: Henrique Sá Pessoa (Alma / Tapisco), José Avillez (Belcanto / Mini Bar / Cantinho do Avillez  / Bairro do Avillez / Pizzaria Lisboa / Café Lisboa), Alexandre Silva (LOCO), João Rodrigues (Feitoria), Milton Anes (LAB by Sergi Arola), Kiko Martins (O Talho / A Cevicheria / O Asiático / Surf & Turf / O Watt), Hugo Nascimento (Tasca da Esquina / Peixaria da Esquina / Taberna da Esquina), Pedro Pena Bastos (Herdade do Esporão), Tiago Bonito (Largo do Paço), Luís Barradas (Tago's), Leandro Carreira, Hugo Brito (Boi-Cavalo), Manuel Maldonado (Ostraria), Tiago Feio (Leopold), Rodrigo Castelo (Taberna Ó Balcão), David Jesus (Belcanto) e Carlos Fernandes (LOCO).
Num registo muito próprio, Hugo Brito apresenta-se no Boi-Cavalo com uma cozinha muito diferente e muito única, com um menu de degustação (7 pratos, 32€) que muda semanalmente. Claro que esta mudança semanal acarreta riscos. Existe sempre o risco de um novo prato, pouco trabalhado ainda, não estar a funcionar bem, ou até a possibilidade de chegar a um bloqueio criativo pois é um trabalho extremamente exigente que obriga o chef a reinventar-se e continuar em constante adaptação com os produtos disponíveis. Se, ao fim de 3 anos, Hugo Brito conseguiu domar este animal selvagem que é o Boi-Cavalo, muito diz do trabalho nele colocado e que tornou este espaço como um dos melhores de Lisboa. Era um restaurante que já tinha na lista há muito tempo mas acabei por aproveitar o voucher 2 por 1 da Time Out que surgiu a meio de Julho.
Espaço esse que é bastante giro, tendo sido em tempos idos um talho, mas com as mesas relativamente pequenas e as cadeiras algo desconfortáveis. Apesar da política de menu de degustação, que deveria levar as pessoas a desfrutar de uma viagem nas mãos do chef sem tempo limite, o restaurante impõe (ao fim de semana) uma política de dois turnos (às 20h e às 22h30) o que, tendo em conta as cadeiras em questão até é benéfico pois perto do fim da refeição já existe muito a vontade de se levantar e esticar as pernas. O aviso relativo aos turnos foi feito na hora da reserva, até com alguma insistência mas a verdade é que, chegando às 20h, tudo correu bastante suavemente, tendo quase toda a gente saído do restaurante um pouco antes do início do turno seguinte, mas já com o decorrer do reboliço de preparação para a nova fornada de clientes.
A ementa servida por Hugo Brito é uma imensidão de irreverência com sabores novos e conhecidos a conjugarem-se em técnicas bem executadas mas onde nem sempre o resultado foi perfeito. O principal a ter em conta aqui é que temos que ir de mente aberta e sem restrições (pois também essas não nos foram perguntadas em momento algum, da reserva ao fim da refeição, e neste tipo de conceito deve sempre ser perguntado). Mente aberta é realmente o mais importante aqui, e aconselho a só mencionarem restrições alimentares se forem realmente condições médicas. Se não comem carne, peixe ou legumes por opção vossa (e respeito a vossa opção apesar de não concordar com ela) arrisquem na mesma e deixem-se ir! A questão é sempre "Porque não arriscar?"... porquê ficar amarrado a manias, quando podemos numa refeição descobrir novos horizontes e novos prazeres?
Nota de aviso: é muito possível que os nomes dos pratos esteja um pouco errado porque em momento algum me disponibilizaram uma ementa com o que iria comer (o que seria agradável) e foi tudo baseado em notas tiradas depois da descrição do prato.
Digo tudo isto mas, atenção, a refeição nem sequer começou bem! O Lingueirão, Manjericão Tailandês e Framboesa Desidratada ficou muito aquém das expectativas. O bivalve de sabor natural intenso mas algo estagnado, não de mar aberto e pirolitos na praia mas mais de Ria Formosa e seu natural lodo, que quando primeiramente provado não deixou ninguém na mesa perceber onde raio estavam os restantes ingredientes. Lá descobrimos uma folha de manjericão na casca do bivalve e esfregámo-lo veementemente (se fosse um mexilhão isto lembrava-me a outra música) e tudo tomou uma nova dimensão! Aqui já mais agradável mas sem chegar ao patamar que estávamos à espera. Ah, e a framboesa desidratada? Quando provada em conjunto era totalmente afogada pelos restantes sabores. Quando provada individualmente tinha piada mas o seu propósito no conjunto já se tinha perdido.


Felizmente foi só o início que foi atribulado porque a restante refeição correu bastante melhor. Atenção, correu bastante melhor para mim, mas houve pessoas na mesa que não gostaram do prato X ou Y. E é isso que também é engraçado nestes menus em que não sabemos o que vamos comer. O entrar num local com uma venda nos olhos e ir retirando a venda aos poucos. Cada pessoa irá interpretar aqueles sabores à sua maneira e gostará ou não. Mas ao menos arriscou!
Claro que houve alguns pratos consensuais, como foi o caso do Creme de Favas com Chouriço, Chips de Batata Roxa e Ovo Curado. Que sabores tão portugueses, tão fantásticos e tão bem trabalhados! Altamente viciante e a apetecer-me lamber toda a taça! Único pormenor que não percebi no prato, e que aconteceu nalguns pratos salgados sem fazer grande sentido gostativo, foi o Ovo Curado, apresentado em forma de pó.


Também a puxar aos sabores portugueses, mas com aquele toque de irreverência essencial, o Puré de Morcela e Tamarindo, Tagliatelle de Lula, Vinagrete de Maracujá, Amêndoa Torrada e Pó de Nori. Começando pelo aspecto menos positivo, o pó de nori que não pareceu acrescentar nada de novo excepto dar mais uma cor ao prato. Todos os restantes ingredientes bastante bons quando provados individualmente, com o vinagrete de maracujá a surpreender bastante e o puré a puxar também ao avinagrado dos chouriços de sangue. E, por muito estranho que seja combiná-los, fazia total sentido!


O prato de peixe da noite consistiu num Chicharro Braseado com Molho de Poejo e Pó de Mexilhão (lá está o pó que para mim nada acrescentou) acompanhado por Noodles de Batata Macerados à Bulhão Pato com Pele de Porco. Ainda que o chicharro estivesse ligeiramente salgado, estava fantástico. Excelente textura, com uma cozedura mesmo muito ligeira e pleno de sabor. Do outro lado, uns leves noodles de batata, onde o bulhão pato não era de todo pronunciado mas que ligava lindamente com a estaladiça pele de porco.


O prato mais "simples" da noite não foi menos bom pela aparente simplicidade com que chegou à mesa. 3 componentes, sem grandes descrições ou complicações nas notas tiradas. Um excelente, super macio, super tenro e bastante saboroso Lombinho de Porco com Puré de Alface e Vinagrete de Batata-Doce. Aqui, finalmente, sem pós de pirlimpimpim ou outros adereços que não faziam sentido. 3 sabores distintos e fortes, com o lombinho de porco (que era realmente de bradar aos céus, com o seu interior ainda rosado) a puxar o lado salgado, o puré de alface a trazer amargor e o vinagrete de batata-doce, que não era um componente ácido mas sim um componente doce. Excelentes individualmente mas muito melhores juntos.


O penúltimo momento pareceu muito pouco português no seu timing, a puxar mais por raízes francesas julgo, com um prato de Queijos e Pães a chegar à mesa antes da sobremesa. 3 tipos de pães (que não me recordo quais eram mas todos de bom nível) e 3 queijos, bastante diferentes entre si mas todos de sabores únicos e pronunciados. O de Serpa (na image, o do meio) com tons mais macios ao palato mas a acariciar-nos gentilmente as papilas gustativas, assim como o Chèvre que sendo um pouco mais intenso, e de uma excelente qualidade, nos ajuda a progredir para aquele que foi um queijo apoteótico com o São Jorge de 40 (!!) meses de cura. Um queijo que surpreende e evolui na própria boca para ser uma verdadeira bomba! Para ir cortando e limpando o palato, uns simpáticos pickles de rabanete.


Falava-se à mesa como é cada vez mais comum encontrar, em restaurantes com cozinhas de autor ou mais vanguardistas, sobremesas menos doces. Algo que não seja aquelas bombas de doçura que nós portugueses tão bem fazemos. Atenção, nada contra os nossos tradicionais doces conventuais mas é bom variar de vez em quando. O Cheesecake de Banana, Molho de Sakê, Espuma de Raíz Forte, Doce de Marmelada e Banana Frita acabapor fazer isso mesmo. Apesar do (longo e provavelmente errado) nome soar a algo bastante doce, o sabor da raíz forte, com toques entre a mostarda e o wasabi, ajuda a contrabalançar tudo o restante, transformando-a numa sobremesa que foi crescendo a cada colher.


Mesmo não tendo ficado fã do primeiro prato, a vontade de voltar ao Boi-Cavalo é grande! Porque a probabilidade de comer o mesmo que comi na semana que lá fui é muito baixa. Porque quero conhecer melhor o nível de criatividade de Hugo Brito. Porque quero perceber se a sua cozinha irá de encontro ao Manifesto que proclamou. Mas no final quero voltar por um simples motivo... porque é bom!

Boi-Cavalo
Alfama, Portugal
Boi Cavalo Menu, Reviews, Photos, Location and Info - Zomato
Preço Médio: < 40 €
Data da Visita: 16 de Julho 2017

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