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domingo, 11 de fevereiro de 2018

Tia Rosa (Melides)

Viagens para Norte ou Sul de Portugal são, para mim, sempre desculpas perfeitas para conhecer restaurantes a meio caminho. São viagens longas e que "obrigam" quase sempre a uma ou outra paragem, portanto porque não fazer pequenos desvios e ir conhecer aqueles restaurantes que, noutros casos, não teríamos uma oportunidade tão fácil?
Foi numa dessas viagens, para a fantástica cidade de Tavira, que resolvi fazer mais um desses desvios. Habitualmente, o ponto de paragem obrigatório é O Cruzamento (já falei sobre ele aqui), em Grândola, mas desta vez queria algo diferente. A fama da Tia Rosa em Melides é mais que muita e não é assim tão longe de Grândola... Porque não?
Entro cedo num restaurante bastante vazio mas isso não me intimida. A zona não é propriamente famosa pelo seu turismo nos meses de Inverno e o restaurante é algo remoto dos locais mais habitados da zona. Desde que a comida valha o desvio e corresponda às altas expectativas que tinha criado, nada mais importa.
As hostilidades começam com um Prato de Enchidos de Porco Preto. Estive entre esta entrada e a Alheira Assada no Forno (e o serviço não ajudou muito na decisão) por isso fui por aquele que me parecia mais adequado a uma pessoa. E lá chega o pratinho com rodelas de chouriço, chouriço de sangue e farinheira... enrolado em plástico. Daquelas técnicas de conservação de snack bar, mostrando claramente que aquele prato estava cortado e preparado há algum tempo. Porque cortar enchidos na hora é uma tarefa hercúlea. A qualidade dos mesmos não era má mas também não me excitaram as papilas gustativas por aí além.


Mas aqui a atracção principal era o Pato Assado no Forno com Arroz de Miúdos, o prato que move multidões e é alvo de peregrinações! Ok, se calhar é um pouco exagerado a parte das peregrinações mas a verdade é que é a especialidade da casa e aquele de que toda a gente fala e que dizem ser obrigatório. Estão a imaginar a expectativa com que entrei no restaurante, certo? Sentei-me estrategicamente para ter uma visão para a cozinha e conseguir observando os passos que levariam o meu prato a chegar à mesa e foi aí que começou a desilusão. Começo por ver a travessa do pato a ser aquecida num microondas e depois colocada no forno. Pelo caminho, vejo verterem um pouco de óleo também para lá.
Resultado final, quando o prato chega à mesa já estou meio desconfiado, mas tento afastar os preconceitos da minha mente. A pele é logo a primeira coisa a ser atacada e, para minha felicidade, revela-se estaladiça e saborosa. A carne já não tanto, estando o peito do pato algo seco mas todos conhecemos a dificuldade de cozinhar uma ave inteira, visto ter tão diferentes pontos de cozedura. Melhor a carne da asa, que chego a roer com as mãos. O problema está no fundo do prato com uma altura de gordura algo desnecessária e que em nada acrescenta a nível de sabor. Ainda tentei verter um pouco sobre o pato mas não adicionou nada de positivo, apenas tornou o prato desnecessariamente mais pesado. Talvez tenha adicionado às batatas que nela cozinharam mas quando as colocava no prato tentava levar o mínimo de óleo possível.


O Arroz de Miúdos era também alvo de grande expectativa. Adoro miudezas de aves, seja na canja, no arroz ou simplesmente estufados! Mas este arroz também não esteve à altura. Cozinhado em demasia, apresentando-se já um pouco empapado, a necessitar de mais sal e com aquela camada de ovo em cima que é dispensável, ainda que a nível visual seja apelativa. Se fosse uma leve pincelada percebia que ajudasse a dar cor no forno ainda passava, mas é demasiado e acaba por ser arroz com ovos mexidos por cima.


Salvou-se a honra da casa com a sobremesa. Umas belíssimas Farófias, feitas no forno, fantásticas nas suas texturas e com um doce de ovo que não era demasiado doce. Faria um desvio por estas farófias mas não pelo pato!


Não é que tenha sido uma má refeição, muito pelo contrário. Saio desiludido porque tinha as expectativas num patamar demasiado elevado. Já falei várias vezes sobre o quão perigosas são e aqui foi mais um caso em que só saio algo desanimado porque esperava muito melhor. Não me levem a mal os fãs daquele pato assado, pois acho o prato interessante e se tivesse na zona não teria problemas em lá voltar, mas não me convencem a fazer outro desvio propositado por ele. Já por aquelas farófias...

Tia Rosa
Melides, Portugal
Preço Médio: < 20 €
Data da Visita: 19 de Janeiro 2018

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Happy Comida Caseira (Amadora)

É impressionante o dinamismo, mesmo que lento, que a zona da Amadora tem sentido. Não está a sentir um boom semelhante a Marvila, mas a verdade é que, aos poucos, abrem restaurantes bastante interessantes. Para além d'O Quintal (aqui) abriram, nos últimos anos, alguns espaços interessantes como o Maria Azeitona, Pimenta Malagueta, Lugar ao Sul ou este Happy Comida Caseira.
O nome remete-nos para comida de conforto e caseira mas a ementa não reflecte tanto esse conceito, acabando por ser um misto de petiscos com twists, algumas coisas em bolo do caco, outros pratos de influências maioritariamente portuguesas e carnes! Esta última secção foi a que mais me entusiasmou tendo em conta os cortes que apresentava face ao preços que pratica.
Lá se criou a oportunidade para uma visita de amigos, todos bons vivants e amantes de boa comida, com as expectativas algo elevadas face às reviews que já tinha lido. A primeira impressão não foi das melhores com a entrada no restaurante a fazer-se ao som daquelas campainhas das lojas dos chineses. É algo estranho apanhar este tipo de pormenores, mas sem dúvida é diferente e fica na memória, ainda que não ache muito agradável.
Queriamos experimentar um pouco de tudo e pedimos, para partilhar tudo, 3 petiscos, 1 prato e 1 corte de carne. O serviço parecia meio atrapalhado com algumas das perguntas que foram feitas enquanto escolhíamos mas lá foi respondendo. O próprio chef Pedro Moreira (que já passou pela Mercearia do Páteo Alfacinha) veio algumas vezes à mesa esclarecer dúvidas e receber feedback, o que demonstra o empenho neste seu projecto pessoal.
A lista de petiscos é bastante interessante e foi a que provocou mais dúvidas quanto ao que mandar vir mas começámos com uns Ovos Escangalhados com Chouriço de Porco Preto que fica ali entre uns Ovos Rotos e um Revuelto, mas com a adição de cogumelos. Ovos bem cozinhados, bom chouriço, bons cogumelos mas, por as gemas já virem demasiado "escangalhadas" acabam por não envolver as batatas tão bem, parecendo que estão ali um pouco à parte no prato.



Não sou um fã de sabores adocicados predominantes nos meus pratos salgados. Acho muito bem que existam componentes mais adocicados mas terão sempre que ser balanceados para não abafarem totalmente o prato. Ora, nas Espetadas de Frango Marinadas com Manteiga de Amendoim (um prato que imaginava parecido com um Chicken Satay), foi isso que acabei por sentir mas não por culpa da manteiga de amendoim. A adição de ananás acaba por tornar o sabor deste como predominante, abafando frango e manteiga de amendoim! Uma pena pois o frango está suculento e se se conseguisse trabalhar apenas com a doçura do amendoim poderia ter funcionado melhor.



O prémio para melhor prato da noite (e pior fotografia também) vai para os Secretos à Bulhão Pato. O nome saltou logo à vista, a ideia implantou curiosidade na mente de todos e não desiludiu. Bons secretos, bem temperados e cortados aos pedaços, mergulhados num molho apurado. Sabem qual é o melhor comprovativo para quando algo traz molho? Ninguém na mesa estar satisfeito enquanto houver uma gota do mesmo e pedindo pão suficiente para que tal não aconteça!



O Risotto de Cogumelos (Boletus, Pleurotus e Shiitake) a apresentar-se decente e com os sabores correctos. Só falhou, ligeiramente, o ponto de cozedura ligeiramente a mais do arroz e a cremosidade do mesmo.



Para a carne, optámos pelo Costeletão de Buey com Maionese de Mostarda de Dijon. Não vos posso dizer nada quanto à maionese de mostarda. Não provei... Não achei que fosse sequer necessária naquele belo pedaço de carne. Principalmente quando ele já vinha temperado com um bom molho de ervas (quase tipo chimichurri). Ok, seria justificável para as batatas mas estava de tal forma focado na carne que se me olvidou da mente. Destaque também para o ponto da carne, exactamente como pedido!



Ainda houve espaço para as sobremesas, que não têm uma ementa fixa e vão mudando consoante as vontades de quem as faz. Um Crème Brûlée um pouco consistente demais que não conquistou ninguém na mesa, ainda que seja de referir o facto da boa camada superior caramelizada.



Boa Mousse de Snickers, cremosa e doce qb. Talvez não a chamasse como Mousse de Snickers mas a verdade é que o nome foi chamativo o suficiente para ser a sobremesa que reuniu consenso na mesa na hora de pedir.



E um óptimo Bolo de Bolacha, feito com manteiga e nada daquelas tretas que se vê com natas. Muito bom, talvez apenas um pouco seco demais, mas nada de grave.



Felizmente a impressão final é muito melhor que a primeira e saímos deste espaço felizes (vá, podia ter feito o trocadilho cliché a dizer que tínhamos saído happy) e muito menos incomodados com o barulhinho da porta.

Happy Comida Caseira
Amadora, Portugal
Happy Comida Caseira Menu, Reviews, Photos, Location and Info - Zomato
Preço Médio: < 20 €
Data da Visita: 16 de Janeiro 2018

domingo, 10 de dezembro de 2017

Nó de Gosto (Tavira)

Antes de avançarem muito na leitura deste texto quero deixar bem claro que sou sempre imparcial em tudo o que escrevo. Independentemente se paguei pela refeição ou não (pois há refeições para as quais sou convidado), se usufrui de algum tipo de desconto, se é um restaurante de um amigo ou, como neste caso, o restaurante do meu próprio pai.


Achei por bem avisar-vos antes de começarem esta leitura para que possam tirar as vossas próprias conclusões tendo todos os factos na mão. Factos esses que começam há alguns meses atrás, quando o meu pai decidiu deixar a vida empresarial, tirar um curso intensivo de cozinha e abrir um pequeno restaurante de petiscos na fantástica cidade de Tavira. 


Todo o conceito foi desenvolvido pelo meu pai, Vítor, e pela sua sua esposa, Maria João, ficando o primeiro encarregue da cozinha e o segundo da sala. Uma ementa algo extensa, baseada sobretudo em petiscos com um nível de originalidade bastante engraçado, e uma longa carta de conservas, disponíveis para consumo no restaurante ou para levar para casa.


Tendo passado alguns dias em Tavira, tive a oportunidade de provar grande parte da carta, tendo ficado bastante satisfeito com a qualidade da comida que aqui se serve bem como do serviço de sala. Foi ainda a minha primeira experiência do "outro lado do espelho", tendo estado 2 serviços de jantar a servir à mesa, acabando por perceber melhor algumas das dificuldades que se pode enfrentar nesta profissão, tornando-me mais tolerante a algumas coisas que se possam passar futuramente (mas também menos tolerante a outras)!


Um dos pratos mais marcantes deste espaço, tendo entrado agora na nova carta de Outuno-Inverno, foi a Chora, uma sopa feita com caras de bacalhau, servida a bordo dos navios da Frota Portuguesa do Bacalhau, representando muito da cozinha de reaproveitamento que tanto nos caracteriza e, principalmente, um prato que o meu avô fazia e que nunca vi ser servido em nenhum restaurante! 


A maior parte da cozinha do Nó de Gosto assenta em sabores tradicionais portugueses, em conjunções aparentemente simples mas saborosas como o Bacalhau Fumado com Queijo Creme e Endro.


Ainda na senda dos pratos com bacalhau, as Lascas de Bacalhau com Puré de Grão e Espinafres relembram-me o bom que a comida portuguesa realmente é, ainda aqui com um empratamento que foge ao tradicional mas ajuda a ligar em cada garfada as 3 componentes presentes.


Em muitos dos meus almoços ou jantares de família é servido este Chouriço à Camões, um chouriço cozinhado com vinho tinto e sumo de laranja. É servido há tanto tempo que não me recordo de onde, como ou porquê esta receita entrou na nossa vida mas a verdade é que não mais saiu.


Se a Chora foi o meu prato favorito, pela evocação de sabores familiares que nos comovem e fazem recordar, a Batata-Doce com Pá de Borrego e Alecrim Fresco foi sem dúvida o mais surpreendente. Uma pá de borrego cozinhado durante várias horas, sendo depois desfiada, colocada em cima de uma fina fatia de batata-doce e uma fina fatia de tomate Coração-de-Boi e terminada com alecrim fresco. Um prato bastante completo e equilibrado, que provoca o nosso palato com os seus toques doces, salgados e ácidos.


Ainda no campo dos torricados, excelente combinação neste de Cebola Caramelizada, Queijo dos Açores e Tomilho Fresco, onde mais uma vez vários pontos do nosso palato a serem estimulados ao mesmo tempo.


Excelentes também os Ovos Beneditinos, com o pão ligeiramente torrado a servir perfeitamente de base para um excelente presunto, bons espinafres, um ovo escalfado cozinhado na perfeição e um molho com aquele toque de acidez essencial! Ah, e como bónus, está disponível a qualquer refeição do dia!


A influência da maior parte da ementa é portuguesa, mas muitos dos pratos levam alguns twists que os tornam ainda melhores do que estamos habituados, caso da Muxama Extra, um simples prato com uma excelente muxama (lombo de atum seco, o presunto dos mares), um bom queijo de cabra fresco e uma óptima compota picante para elevar a prato a um nível estratosférico. Como muita da cozinha do Nó de Gosto, simples mas com muito sabor.


As Bochechas de Porco SV (cozinhadas em sous-vide durante 6 horas!) é outro dos pratos que mais me impressionou. Excelente textura nas bochechas, a desfazerem-se facilmente ao toque, regadas com um guloso molho e acompanhadas por dois bons purés, um de castanhas e um de maçã, e com um ligeiro picante dado pelo chutney de malagueta. 


A cozinha do Nó de Gosto passa, como já referi várias vezes, pela simplicidade de alguns pratos mas que contenham muito sabor. Ora bem, tal não era possível também sem que houvesse qualidade nos ingredientes e onde podemos testemunhar facilmente isso é nos Cogumelos do Cardo (Pleurotus Eryngii), com uns saborosos e carnudos exemplares simplesmente salteados e terminados com soja.


Outro dos pratos da nova carta do Nó de Gosto, retrata alguma da melhor comida de conforto portuguesa. Uma das coisas que mais gosto de comer com o tempo frio são bons estufados e guisados. Pratos quentes e que nos aquecem a alma, como estas Favas com Choco.


Podem terminar uma ronda de petiscos com o Prego de Atum, simplesmente braseado com sementes de sésamo, temperado com um pouco de soja e servido num bom pão de alfarroba. Impressionante a qualidade do atum, a não colocar qualquer oposição às dentadas que vorazmente lhe desferi. 


Para acompanhar o Prego de Atum, umas Batatas-Doce Fritas bastante competentes.


Isto já vai longo, mas a verdade é que as sobremesas são também um importante capítulo nesta casa. Vão variando ao longo dos dias por isso o ideal é perguntar o que há ou deixarem-se levar pelas sugestões da casa. Tive a oportunidade de provar algumas cujo registo fotográfico lamentavelmente falhou, como o Bolo Semifrio de Chocolate Picante ou uma óptima Mousse de Marmelo. Tentei compensar garantindo o registo de um óptimo Folhado de Tavira, um bolo típico desta zona algarvia.


Outro item que está sempre disponível são as Panquecas com Fruta Fresca, que podem terminar uma refeição de petiscos ou um brunch composto pelos Ovos Beneditinos!


Pode parecer um texto bastante imparcial mas a verdade é que fiquei realmente agradado com a comida que experimentei! Gostei do espaço, do conceito e da ementa diferente de tudo o que se pode encontrar nas redondezas. Não fiquem iludidos, sei que não é perfeito mas vejo bastante potencial e força de vontade de trabalhar alguns aspectos que possam não estar ainda tão oleados. E, agora numa nota muito pessoal e parcial, isso deixa-me cheio de orgulho no que aqui se produz, acreditem! 

Nó de Gosto
Tavira, Portugal
Preço Médio: < 20 €

domingo, 30 de julho de 2017

Boi-Cavalo (Alfama)

Hugo Brito é um dos chefs do momento em Lisboa. Desde que abriu o Boi-Cavalo em 2014, com Pedro Duarte mas tomando as rédeas do projecto a solo em 2015, que se tem vindo a destacar na cena gastronómica da capital como um dos novos chefs a ter em conta. Tanto que foi um dos chefs a subscrever o Manifesto para o Futuro da Cozinha Portuguesa (aqui), proclamado no Peixe em Lisboa, conjuntamente com outros colegas bastante relevantes. A lista completa: Henrique Sá Pessoa (Alma / Tapisco), José Avillez (Belcanto / Mini Bar / Cantinho do Avillez  / Bairro do Avillez / Pizzaria Lisboa / Café Lisboa), Alexandre Silva (LOCO), João Rodrigues (Feitoria), Milton Anes (LAB by Sergi Arola), Kiko Martins (O Talho / A Cevicheria / O Asiático / Surf & Turf / O Watt), Hugo Nascimento (Tasca da Esquina / Peixaria da Esquina / Taberna da Esquina), Pedro Pena Bastos (Herdade do Esporão), Tiago Bonito (Largo do Paço), Luís Barradas (Tago's), Leandro Carreira, Hugo Brito (Boi-Cavalo), Manuel Maldonado (Ostraria), Tiago Feio (Leopold), Rodrigo Castelo (Taberna Ó Balcão), David Jesus (Belcanto) e Carlos Fernandes (LOCO).
Num registo muito próprio, Hugo Brito apresenta-se no Boi-Cavalo com uma cozinha muito diferente e muito única, com um menu de degustação (7 pratos, 32€) que muda semanalmente. Claro que esta mudança semanal acarreta riscos. Existe sempre o risco de um novo prato, pouco trabalhado ainda, não estar a funcionar bem, ou até a possibilidade de chegar a um bloqueio criativo pois é um trabalho extremamente exigente que obriga o chef a reinventar-se e continuar em constante adaptação com os produtos disponíveis. Se, ao fim de 3 anos, Hugo Brito conseguiu domar este animal selvagem que é o Boi-Cavalo, muito diz do trabalho nele colocado e que tornou este espaço como um dos melhores de Lisboa. Era um restaurante que já tinha na lista há muito tempo mas acabei por aproveitar o voucher 2 por 1 da Time Out que surgiu a meio de Julho.
Espaço esse que é bastante giro, tendo sido em tempos idos um talho, mas com as mesas relativamente pequenas e as cadeiras algo desconfortáveis. Apesar da política de menu de degustação, que deveria levar as pessoas a desfrutar de uma viagem nas mãos do chef sem tempo limite, o restaurante impõe (ao fim de semana) uma política de dois turnos (às 20h e às 22h30) o que, tendo em conta as cadeiras em questão até é benéfico pois perto do fim da refeição já existe muito a vontade de se levantar e esticar as pernas. O aviso relativo aos turnos foi feito na hora da reserva, até com alguma insistência mas a verdade é que, chegando às 20h, tudo correu bastante suavemente, tendo quase toda a gente saído do restaurante um pouco antes do início do turno seguinte, mas já com o decorrer do reboliço de preparação para a nova fornada de clientes.
A ementa servida por Hugo Brito é uma imensidão de irreverência com sabores novos e conhecidos a conjugarem-se em técnicas bem executadas mas onde nem sempre o resultado foi perfeito. O principal a ter em conta aqui é que temos que ir de mente aberta e sem restrições (pois também essas não nos foram perguntadas em momento algum, da reserva ao fim da refeição, e neste tipo de conceito deve sempre ser perguntado). Mente aberta é realmente o mais importante aqui, e aconselho a só mencionarem restrições alimentares se forem realmente condições médicas. Se não comem carne, peixe ou legumes por opção vossa (e respeito a vossa opção apesar de não concordar com ela) arrisquem na mesma e deixem-se ir! A questão é sempre "Porque não arriscar?"... porquê ficar amarrado a manias, quando podemos numa refeição descobrir novos horizontes e novos prazeres?
Nota de aviso: é muito possível que os nomes dos pratos esteja um pouco errado porque em momento algum me disponibilizaram uma ementa com o que iria comer (o que seria agradável) e foi tudo baseado em notas tiradas depois da descrição do prato.
Digo tudo isto mas, atenção, a refeição nem sequer começou bem! O Lingueirão, Manjericão Tailandês e Framboesa Desidratada ficou muito aquém das expectativas. O bivalve de sabor natural intenso mas algo estagnado, não de mar aberto e pirolitos na praia mas mais de Ria Formosa e seu natural lodo, que quando primeiramente provado não deixou ninguém na mesa perceber onde raio estavam os restantes ingredientes. Lá descobrimos uma folha de manjericão na casca do bivalve e esfregámo-lo veementemente (se fosse um mexilhão isto lembrava-me a outra música) e tudo tomou uma nova dimensão! Aqui já mais agradável mas sem chegar ao patamar que estávamos à espera. Ah, e a framboesa desidratada? Quando provada em conjunto era totalmente afogada pelos restantes sabores. Quando provada individualmente tinha piada mas o seu propósito no conjunto já se tinha perdido.


Felizmente foi só o início que foi atribulado porque a restante refeição correu bastante melhor. Atenção, correu bastante melhor para mim, mas houve pessoas na mesa que não gostaram do prato X ou Y. E é isso que também é engraçado nestes menus em que não sabemos o que vamos comer. O entrar num local com uma venda nos olhos e ir retirando a venda aos poucos. Cada pessoa irá interpretar aqueles sabores à sua maneira e gostará ou não. Mas ao menos arriscou!
Claro que houve alguns pratos consensuais, como foi o caso do Creme de Favas com Chouriço, Chips de Batata Roxa e Ovo Curado. Que sabores tão portugueses, tão fantásticos e tão bem trabalhados! Altamente viciante e a apetecer-me lamber toda a taça! Único pormenor que não percebi no prato, e que aconteceu nalguns pratos salgados sem fazer grande sentido gostativo, foi o Ovo Curado, apresentado em forma de pó.


Também a puxar aos sabores portugueses, mas com aquele toque de irreverência essencial, o Puré de Morcela e Tamarindo, Tagliatelle de Lula, Vinagrete de Maracujá, Amêndoa Torrada e Pó de Nori. Começando pelo aspecto menos positivo, o pó de nori que não pareceu acrescentar nada de novo excepto dar mais uma cor ao prato. Todos os restantes ingredientes bastante bons quando provados individualmente, com o vinagrete de maracujá a surpreender bastante e o puré a puxar também ao avinagrado dos chouriços de sangue. E, por muito estranho que seja combiná-los, fazia total sentido!


O prato de peixe da noite consistiu num Chicharro Braseado com Molho de Poejo e Pó de Mexilhão (lá está o pó que para mim nada acrescentou) acompanhado por Noodles de Batata Macerados à Bulhão Pato com Pele de Porco. Ainda que o chicharro estivesse ligeiramente salgado, estava fantástico. Excelente textura, com uma cozedura mesmo muito ligeira e pleno de sabor. Do outro lado, uns leves noodles de batata, onde o bulhão pato não era de todo pronunciado mas que ligava lindamente com a estaladiça pele de porco.


O prato mais "simples" da noite não foi menos bom pela aparente simplicidade com que chegou à mesa. 3 componentes, sem grandes descrições ou complicações nas notas tiradas. Um excelente, super macio, super tenro e bastante saboroso Lombinho de Porco com Puré de Alface e Vinagrete de Batata-Doce. Aqui, finalmente, sem pós de pirlimpimpim ou outros adereços que não faziam sentido. 3 sabores distintos e fortes, com o lombinho de porco (que era realmente de bradar aos céus, com o seu interior ainda rosado) a puxar o lado salgado, o puré de alface a trazer amargor e o vinagrete de batata-doce, que não era um componente ácido mas sim um componente doce. Excelentes individualmente mas muito melhores juntos.


O penúltimo momento pareceu muito pouco português no seu timing, a puxar mais por raízes francesas julgo, com um prato de Queijos e Pães a chegar à mesa antes da sobremesa. 3 tipos de pães (que não me recordo quais eram mas todos de bom nível) e 3 queijos, bastante diferentes entre si mas todos de sabores únicos e pronunciados. O de Serpa (na image, o do meio) com tons mais macios ao palato mas a acariciar-nos gentilmente as papilas gustativas, assim como o Chèvre que sendo um pouco mais intenso, e de uma excelente qualidade, nos ajuda a progredir para aquele que foi um queijo apoteótico com o São Jorge de 40 (!!) meses de cura. Um queijo que surpreende e evolui na própria boca para ser uma verdadeira bomba! Para ir cortando e limpando o palato, uns simpáticos pickles de rabanete.


Falava-se à mesa como é cada vez mais comum encontrar, em restaurantes com cozinhas de autor ou mais vanguardistas, sobremesas menos doces. Algo que não seja aquelas bombas de doçura que nós portugueses tão bem fazemos. Atenção, nada contra os nossos tradicionais doces conventuais mas é bom variar de vez em quando. O Cheesecake de Banana, Molho de Sakê, Espuma de Raíz Forte, Doce de Marmelada e Banana Frita acabapor fazer isso mesmo. Apesar do (longo e provavelmente errado) nome soar a algo bastante doce, o sabor da raíz forte, com toques entre a mostarda e o wasabi, ajuda a contrabalançar tudo o restante, transformando-a numa sobremesa que foi crescendo a cada colher.


Mesmo não tendo ficado fã do primeiro prato, a vontade de voltar ao Boi-Cavalo é grande! Porque a probabilidade de comer o mesmo que comi na semana que lá fui é muito baixa. Porque quero conhecer melhor o nível de criatividade de Hugo Brito. Porque quero perceber se a sua cozinha irá de encontro ao Manifesto que proclamou. Mas no final quero voltar por um simples motivo... porque é bom!

Boi-Cavalo
Alfama, Portugal
Boi Cavalo Menu, Reviews, Photos, Location and Info - Zomato
Preço Médio: < 40 €
Data da Visita: 16 de Julho 2017

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O Crispim (Fátima)

É raro sair das redondezas de Lisboa, o que é uma pena quando existe todo um mundo gastronómico para conhecer em Portugal. Somos, provavelmente, o país do mundo com a gastronomia mais rica e diversificada. É pena, também, que não saibamos vender esta diversidade maravilhosa para o resto do mundo, acabando sempre por passar que somos um povo que come bacalhau e sardinhas. Não é mentira, visto termos mais de 1000 receitas de bacalhau e as melhores sardinhas do mundo (tal como no futebol, também no campeonato das sardinhas temos os melhores do mundo), mas torna-se limitativo para o que realmente fazemos, um pouco por todo o país. Bem, mas estou-me a dispersar...
A caminho da cidade invicta, decidiu-se fazer uma paragem gastronómica por um dos restaurantes mais conhecidos de Fátima, O Crispim. Casa de boa reputação, e onde fui com alguém que já conhecia a casa, fomos tratados de forma exemplar e tivemos uma refeição fantástica.
A partida foi dada por uns fantásticos Enchidos (Chouriço e Morcela), que foram rapidamente deglutidos pela pressão estomacal que se fazia representar em três esfomeados comensais.


Foi uma refeição exclusivamente carnívora, não porque não haja pratos de peixe, mas porque estávamos mais virados para estes apetites nesta noite. E nada melhor para satisfazer apetites carnívoros que uma fantástica Costeleta de Vitela Mirandesa, de uma altura considerável, tempero adequado e temperatura acertada.


E se a grelha é boa, não há como falhar ao pedir o óptimo Entrecosto de Porco Preto, com a carne perfeitamente grelhada e a soltar-se facilmente do osso.


Mas os "ossos" não se ficaram por aqui e ainda se devorou de forma avassaladora um dos pratos tradicionais da zona de Ourém (fonte), a Friginada de Entrecosto. Carne bastante apurada e a desfazer-se ao toque, num daqueles pratos reconfortantes e de que falava no início.


Para terminar, um Cheesecake de Morango bastante aceitável, onde me pareceu que não foram utilizadas natas (e ainda bem!).


Um restaurante "da terra", como não se encontra nas zonas cosmopolitas, com pratos honestos e simples, sabores apurados e a preços justos e que vale bem o desvio a quem se encontre perto de Fátima.

O Crispim
Fátima, Portugal
Preço Médio: < 30 €
Data da Visita: 4 de Dezembro 2015

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Casa da Igreja (Cacela Velha)

Há sítios que primam pelo uso de técnicas inovadoras na sua cozinha. Espumas, sous-vides, esferificações e outros que mais. Têm cozinhas gigantes e brigadas altamente treinadas para que tudo seja perfeito.
E depois há sítios como a Casa da Igreja, em Cacela Velha, onde é tudo perfeito recorrendo apenas a técnicas simples e aos produtos existentes a meros passos do restaurante. Claro que a proximidade à Ria Formosa é um privilégio, a vista natural é algo do outro mundo e a envolvente veranil ajuda mas é raro termos acesso a produtos desta qualidade a preços tão justos.


Começamos com o Pão que a casa tem, com uma crosta fantástica e um interior perfeito, daqueles que temos vontade de comer assim mesmo à guloso.


Mas que podemos, e devemos, acompanhar com um óptimo Queijo de Ovelha Amanteigado.


Ou um muito bom Chouriço Assado, que larga sucos merecedores de varrer todo o prato com o pão.


Mas não esqueçamos que nesta terra, os produtos marítimos são as grandes estrelas e na Casa da Igreja vamos encontrar apenas o melhor que a Ria tem para oferecer. Fantásticas Amêijoas, servidas sem grande artifícios ou temperos, com os bivalves são gordos e muito saborosos e o molho no fundo da travessa de uma naturalidade rara para quem está tão habituado aos coentros do Bulhão Pato.


E, que dizer das Ostras, sejam ao natural ou a vapor? Acho que nunca tinha percebido a expressão "comer o mar" tão bem como aqui. Ainda para mais com um preço inigualável em qualquer restaurante que já tenha visitado, pois uma dúzia custa 12€. Imperdível

Ao Natural
Ao Vapor
Tal como a cozinha da Casa da Igreja é simples, também este texto não precisa de muitas palavras. Simplesmente fantástico!

Casa da Igreja
Cacela Velha, Portugal
Preço Médio: < 30 €