segunda-feira, 13 de março de 2017

LOCO (Estrela)

Desde a sua abertura que o LOCO causava em mim imensa curiosidade. As fantásticas críticas que foram surgindo, assim como o facto de ter conseguido a 1ª Estrela Michelin em menos de 1 ano, só serviram para aguçar este sentimento. Alexandre Silva não é de todo um qualquer desconhecido na cena gastronómica portuguesa, tendo sido o responsável pela cozinha do Bocca entre 2008 e 2012 (único restaurante a quem foram atribuídas 6 estrelas pela Time Out Lisboa), vencido a edição do Top Chef Portugal, tendo ainda passado pela cozinha do Hotel Alentejo Marmòris e da Bica do Sapato, até abrir o LOCO em Dezembro de 2015. Tem também um Food Corner no Mercado da Ribeira (do qual já falei aqui).


Não é fácil descrever com detalhe uma visita ao LOCO, nem este artigo tem essa intenção. A quantidade de técnicas e ingredientes utilizados é grande demais para que conseguisse decorar tudo. Não que fosse estragar a magia que se sente no local, quando vivemos tudo "in loco", porque por muito que tenha lido sobre o restaurante, a comida e o chef, nada me preparou para as fantásticas 3 horas que lá passei.


O serviço fantástico de princípio a fim, a responder a qualquer pergunta que pudéssemos colocar ou simplesmente a trocar-nos o guardanapo rapidamente quando este caía ao chão. Consegui deixar cair miseravelmente o guardanapo 2 vezes (!!) e tentei apanhá-lo embaraçado tentando que ninguém desse conta, mas toda a equipa está entrosada de tal forma que em 5 segundos já mo estavam a substituir. A interacção com a maior parte da equipa da cozinha, que vem à mesa servir os pratos e dar uma pequena explicação sobre o prato, dá-nos um maior sentimento de proximidade com aquelas pessoas e chegamos ao final da experiência com pena de os deixar e querendo rapidamente voltar para junto de quem nos trata tão bem. Fantástico também o acompanhamento de bebidas (não apenas vinhos) de 6 momentos que escolhemos para acompanhar o menu de degustação de 18 momentos.


Momentos esses que se iniciam de forma algo teatral quando somos conduzidos à mesa e pedem a cada pessoa da mesa para escolher e guardar uma chave, das que se encontram por cima da mesa. que no final desvendará o momento final da refeição.


O menu de degustação divide-se em 4 momentos distintos, bem identificados e sempre com um timing espectacular. Se alguém da equipa do LOCO ler isto que me perdoe as incorrecções que possa haver sobre alguma descrição dos pratos, e agradeço que me corrijam para que possa actualizar o post, mas não consegui (infelizmente) decorar tudo e não queria estar constantemente a tirar notas, preferindo desfrutar a 100% da refeição (ok, parei só para as obrigatórias fotos). Logo à partida começamos a notar uma tendência que seguiu toda a refeição e que projecta o menu para um orgulho português gigante. Existiram sempre elementos característicos portugueses e que o nosso palato recebe com prazer e surpresa.

Pastel de Bacalhau
Surpreendente foi um dos adjectivos que não deixou a nossa mente durante toda a refeição.

Tosta de Ovas de Pregado, Funcho, Escamas de Robalo
Nem todos os pratos tinham elementos surpreendentes mas a verdade é que a forma como são trabalhados ou a sua conjugação fez sentido em todos os momentos.

Bróculos, Natas Cozinhadas e Trevos
Alexandre Silva é um claro conhecedor e apreciador dos produtos marítimos portugueses, dando-nos aqui a conhecer uma nova espécie de bivalve que nunca tinha experimentado, a castanhola.

Castanhola com Malagueta Verde
Mas a alta cozinha de Alexandre Silva é, acima de tudo, divertida, ao nos proporcionar experimentar pratos que conhecemos tão bem, mas com uma "lavagem visual".

Pão com Chouriço
Ou ao dar-nos conjugações que nunca nos tinham passado pela cabeça, mas que encantam à primeira colherada.

Mexilhão das Berlengas e Alho Francês
Impressionante a forma como se conjuga diversão e perfeição, ao trabalhar o suficiente um ingrediente até nos dar uma interpretação que o nosso palato vai reconhecer. Mas estamos numa cozinha de Alexandre Silva, logo até vamos preferir a sua interpretação.

Croquete de Piano com Ketchup de Ruibarbo
O 2º momento do menu é dedicado a um único ingrediente, o pão! Alguma ousadia ao introduzir o pão, que normalmente associamos ao couvert, após os snacks.


Acho que não há nada neste momento que não seja um desafio às pré-concepções sobre a alta cozinha, desde a comida à própria bebida!


E sempre, sempre, com um nível altíssimo em tudo o que chega à mesa.

Alho, Salsa e Pó de Cebola, Ovelha de Azeitão, Algas, Pimento Assado
A ousadia não acaba na altura em que o momento é servido ou na bebida que o acompanha, mas também num dos seus componentes. Porque comer num Estrela Michelin não implica ter que abdicar de costumes tão perfeitamente portugueses (e tão maravilhosos!) como molhar o pão no molho.


Ao entrar no 3º momento, o dos pratos mais substanciais, começamos a querer quebrar as etiquetas e a vontade passa por sorver, limpar ou outros (acho que se me deixassem haveria alturas que quereria lamber o prato!) tudo o que nos é apresentado.

Cogumelos, Puré de Aipo, Caldo de Mão de Vaca, Raspas de Mão de Buda
Mais uma excelente representação sobre ingredientes trabalhados para nos despertar reconhecimento sensorial no palato. Aqui, com o aconchego de usar proteínas tão sobejamente portuguesas e muitas vezes menosprezadas.

Cavala, Maionese de Oléo de Girassol, Molho de Beterraba Fumada, Rábano
Apesar do respeito pelos produtos que Alexandre Silva demonstra, por vezes existem pequenas provocações, ou não decidisse ele criar um "surf and turf" de carapau e pato. Maravilhoso!

Carapau com Jus de Pato
Ok, nem tudo foi perfeito. Mas o que não foi perfeito foi "apenas" muito bom. Quantos de nós já comeram o "Peixe do dia" em vários restaurantes? Pois é, no LOCO também isso nos traz memórias...

Peixe do dia (Robalo) ao Vapor em Folha de Bananeira
Mesmo quando foge um pouco às influências portuguesas, não falta aprumo e consistência nos sabores e apresentação dos pratos.

Pato Fumado, Kale Salteada, Comporta de Marmelo, Chip de Batata e Alho
A conversa que os pratos originam entre dois cúmplices e amantes de boa comida também faz parte da experiência. A admiração ao provar os componentes, ao comentar o quão improvável seria juntar isto com aquilo, ou trabalhar de certa forma este ou aquele ingrediente. Até que chegámos ao jogo da noite e mais um ponto bastante divertido.
"Adivinhem o que é!" Foi este o desafio que a equipa do LOCO nos propôs para este prato (e que falhámos redondamente), mas que adorámos depois perceber o que tínhamos acabado de comer. Até o facto da composição do prato ser conhecida depois faz sentido aqui, pois quantas pessoas estariam relutantes a experimentar Língua de Vaca? Tivessem dito antes que estaríamos a comer isto e poderia haver relutância quanto aos sabores presentes... mas depois de já ter decidido que gostava do prato, o impacto que tem saber o que estou a comer é muito maior! Este tipo de jogos são fantásticos e fulcrais para se conseguir mudar mentalidades (principalmente junto a gerações mais jovens) quanto a este tipo de ingredientes.

Língua de Vaca, Puré de Salsa, Puré de Cebola, Pickle de Sementes de Mostarda num Molho com Moscatel
Na passagem para os momentos doces, começamos com algo intermédio para que a mudança não fosse brusca e ainda houvesse um ligeiro toque salgado.

Alga Nori, Gel de Citrinos
Carlos Fernandes, o Chef de Pastelaria do LOCO, faz um trabalho fantástico ao não ter medo de arriscar em sabores fortes nas sobremesas.

Bacon, Especiarias, Merengue de Pimenta Rosa
Para acompanhar os doces não foi fácil a equipa escolher um vinho que suportasse, ao longo de todo o momento, a criatividade fora da caixa de Carlos Fernandes mas acertaram em cheio com este Erro Dosse.


A ligeira doçura cítrica do vinho ligou na perfeição com uma sobremesa que usa mais de 6 citrinos do Lugar do Olhar Feliz.

Citrinos (Gelado de Tangerina, Crumble de Alecrim, Citrinos)
No LOCO, a refeição não acaba com o café. Aliás, apesar do menu referir 4 momentos do menu de degustação, até o café e seus petit fours são momentos divertidos. Acho que nunca tinha chegado ao momento de tomar café com um sorriso tão grande na cara. Aqui não há expressos e o café é preparado junto à mesa.


Diversidade, perfeição e tamanhos adequados em todos os pequenos doces que devorámos para finalizar esta refeição.

Queijada de Leite, Churro com Canela e Doce de Limão, Bolacha de Especiarias Marroquinas, Trufa 55%, Cookie 90%
Bola de Berlim com Gelado de Doce de Ovo
Mas, faltava uma última surpresa, anunciada no início da refeição! Não vos vou revelar o que foi, mas a verdade é que a chave abriu uma caixa onde estava a folha do serviço e algo que apenas a pessoa que abriu a caixa deveria experimentar. Com muita infelicidade minha, não fui eu o sortudo, mas o ar divertido e de felicidade da outra pessoa foi o suficiente para perceber que também para ela tinha sido um momento final único.


Poderia ter dito muito mais sobre o LOCO. Mas não é fácil escrever um texto sobre um menu tão extenso e tão bom, preferindo focar-me nas ideias com que fiquei em vez de focar nos sabores que senti. Tal como o LOCO, decidi ter uma abordagem diferente. Poderá haver pessoas a quem o texto não agrade, mas o que aqui quero transmitir é que têm mesmo que visitar o LOCO! Ainda agora saí de lá e já tenho saudades...

LOCO
Lisboa, Portugal
Loco Menu, Reviews, Photos, Location and Info - Zomato
Preço Médio: < 100 €
Data da Visita: 24 de Fevereiro 2017

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