Desde a sua abertura que o LOCO causava em mim imensa curiosidade. As fantásticas críticas que foram surgindo, assim como o facto de ter conseguido a 1ª Estrela Michelin em menos de 1 ano, só serviram para aguçar este sentimento. Alexandre Silva não é de todo um qualquer desconhecido na cena gastronómica portuguesa, tendo sido o responsável pela cozinha do Bocca entre 2008 e 2012 (único restaurante a quem foram atribuídas 6 estrelas pela Time Out Lisboa), vencido a edição do Top Chef Portugal, tendo ainda passado pela cozinha do Hotel Alentejo Marmòris e da Bica do Sapato, até abrir o LOCO em Dezembro de 2015. Tem também um Food Corner no Mercado da Ribeira (do qual já falei aqui).

Não é fácil descrever com detalhe uma visita ao LOCO, nem este artigo tem essa intenção. A quantidade de técnicas e ingredientes utilizados é grande demais para que conseguisse decorar tudo. Não que fosse estragar a magia que se sente no local, quando vivemos tudo "in loco", porque por muito que tenha lido sobre o restaurante, a comida e o chef, nada me preparou para as fantásticas 3 horas que lá passei.

O serviço fantástico de princípio a fim, a responder a qualquer pergunta que pudéssemos colocar ou simplesmente a trocar-nos o guardanapo rapidamente quando este caía ao chão. Consegui deixar cair miseravelmente o guardanapo 2 vezes (!!) e tentei apanhá-lo embaraçado tentando que ninguém desse conta, mas toda a equipa está entrosada de tal forma que em 5 segundos já mo estavam a substituir. A interacção com a maior parte da equipa da cozinha, que vem à mesa servir os pratos e dar uma pequena explicação sobre o prato, dá-nos um maior sentimento de proximidade com aquelas pessoas e chegamos ao final da experiência com pena de os deixar e querendo rapidamente voltar para junto de quem nos trata tão bem. Fantástico também o acompanhamento de bebidas (não apenas vinhos) de 6 momentos que escolhemos para acompanhar o menu de degustação de 18 momentos.

Momentos esses que se iniciam de forma algo teatral quando somos conduzidos à mesa e pedem a cada pessoa da mesa para escolher e guardar uma chave, das que se encontram por cima da mesa. que no final desvendará o momento final da refeição.
O menu de degustação divide-se em 4 momentos distintos, bem identificados e sempre com um timing espectacular. Se alguém da equipa do LOCO ler isto que me perdoe as incorrecções que possa haver sobre alguma descrição dos pratos, e agradeço que me corrijam para que possa actualizar o post, mas não consegui (infelizmente) decorar tudo e não queria estar constantemente a tirar notas, preferindo desfrutar a 100% da refeição (ok, parei só para as obrigatórias fotos). Logo à partida começamos a notar uma tendência que seguiu toda a refeição e que projecta o menu para um orgulho português gigante. Existiram sempre elementos característicos portugueses e que o nosso palato recebe com prazer e surpresa.
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Pastel de Bacalhau |
Surpreendente foi um dos adjectivos que não deixou a nossa mente durante toda a refeição.
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Tosta de Ovas de Pregado, Funcho, Escamas de Robalo |
Nem todos os pratos tinham elementos surpreendentes mas a verdade é que a forma como são trabalhados ou a sua conjugação fez sentido em todos os momentos.
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Bróculos, Natas Cozinhadas e Trevos |
Alexandre Silva é um claro conhecedor e apreciador dos produtos marítimos portugueses, dando-nos aqui a conhecer uma nova espécie de bivalve que nunca tinha experimentado, a castanhola.
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Castanhola com Malagueta Verde |
Mas a alta cozinha de Alexandre Silva é, acima de tudo, divertida, ao nos proporcionar experimentar pratos que conhecemos tão bem, mas com uma "lavagem visual".
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Pão com Chouriço |
Ou ao dar-nos conjugações que nunca nos tinham passado pela cabeça, mas que encantam à primeira colherada.
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Mexilhão das Berlengas e Alho Francês |
Impressionante a forma como se conjuga diversão e perfeição, ao trabalhar o suficiente um ingrediente até nos dar uma interpretação que o nosso palato vai reconhecer. Mas estamos numa cozinha de Alexandre Silva, logo até vamos preferir a sua interpretação.
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Croquete de Piano com Ketchup de Ruibarbo |
O 2º momento do menu é dedicado a um único ingrediente, o pão! Alguma ousadia ao introduzir o pão, que normalmente associamos ao couvert, após os snacks.
Acho que não há nada neste momento que não seja um desafio às pré-concepções sobre a alta cozinha, desde a comida à própria bebida!
E sempre, sempre, com um nível altíssimo em tudo o que chega à mesa.
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Alho, Salsa e Pó de Cebola, Ovelha de Azeitão, Algas, Pimento Assado |
A ousadia não acaba na altura em que o momento é servido ou na bebida que o acompanha, mas também num dos seus componentes. Porque comer num Estrela Michelin não implica ter que abdicar de costumes tão perfeitamente portugueses (e tão maravilhosos!) como molhar o pão no molho.
Ao entrar no 3º momento, o dos pratos mais substanciais, começamos a querer quebrar as etiquetas e a vontade passa por sorver, limpar ou outros (acho que se me deixassem haveria alturas que quereria lamber o prato!) tudo o que nos é apresentado.
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Cogumelos, Puré de Aipo, Caldo de Mão de Vaca, Raspas de Mão de Buda |
Mais uma excelente representação sobre ingredientes trabalhados para nos despertar reconhecimento sensorial no palato. Aqui, com o aconchego de usar proteínas tão sobejamente portuguesas e muitas vezes menosprezadas.
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Cavala, Maionese de Oléo de Girassol, Molho de Beterraba Fumada, Rábano |
Apesar do respeito pelos produtos que Alexandre Silva demonstra, por vezes existem pequenas provocações, ou não decidisse ele criar um "surf and turf" de carapau e pato. Maravilhoso!
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Carapau com Jus de Pato |
Ok, nem tudo foi perfeito. Mas o que não foi perfeito foi "apenas" muito bom. Quantos de nós já comeram o "Peixe do dia" em vários restaurantes? Pois é, no LOCO também isso nos traz memórias...
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Peixe do dia (Robalo) ao Vapor em Folha de Bananeira |
Mesmo quando foge um pouco às influências portuguesas, não falta aprumo e consistência nos sabores e apresentação dos pratos.
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Pato Fumado, Kale Salteada, Comporta de Marmelo, Chip de Batata e Alho |
A conversa que os pratos originam entre dois cúmplices e amantes de boa comida também faz parte da experiência. A admiração ao provar os componentes, ao comentar o quão improvável seria juntar isto com aquilo, ou trabalhar de certa forma este ou aquele ingrediente. Até que chegámos ao jogo da noite e mais um ponto bastante divertido.
"Adivinhem o que é!" Foi este o desafio que a equipa do LOCO nos propôs para este prato (e que falhámos redondamente), mas que adorámos depois perceber o que tínhamos acabado de comer. Até o facto da composição do prato ser conhecida depois faz sentido aqui, pois quantas pessoas estariam relutantes a experimentar Língua de Vaca? Tivessem dito antes que estaríamos a comer isto e poderia haver relutância quanto aos sabores presentes... mas depois de já ter decidido que gostava do prato, o impacto que tem saber o que estou a comer é muito maior! Este tipo de jogos são fantásticos e fulcrais para se conseguir mudar mentalidades (principalmente junto a gerações mais jovens) quanto a este tipo de ingredientes.
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Língua de Vaca, Puré de Salsa, Puré de Cebola, Pickle de Sementes de Mostarda num Molho com Moscatel |
Na passagem para os momentos doces, começamos com algo intermédio para que a mudança não fosse brusca e ainda houvesse um ligeiro toque salgado.
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Alga Nori, Gel de Citrinos |
Carlos Fernandes, o Chef de Pastelaria do LOCO, faz um trabalho fantástico ao não ter medo de arriscar em sabores fortes nas sobremesas.
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Bacon, Especiarias, Merengue de Pimenta Rosa |
Para acompanhar os doces não foi fácil a equipa escolher um vinho que suportasse, ao longo de todo o momento, a criatividade fora da caixa de Carlos Fernandes mas acertaram em cheio com este Erro Dosse.
A ligeira doçura cítrica do vinho ligou na perfeição com uma sobremesa que usa mais de 6 citrinos do Lugar do Olhar Feliz.
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Citrinos (Gelado de Tangerina, Crumble de Alecrim, Citrinos) |
No LOCO, a refeição não acaba com o café. Aliás, apesar do menu referir 4 momentos do menu de degustação, até o café e seus petit fours são momentos divertidos. Acho que nunca tinha chegado ao momento de tomar café com um sorriso tão grande na cara. Aqui não há expressos e o café é preparado junto à mesa.
Diversidade, perfeição e tamanhos adequados em todos os pequenos doces que devorámos para finalizar esta refeição.
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Queijada de Leite, Churro com Canela e Doce de Limão, Bolacha de Especiarias Marroquinas, Trufa 55%, Cookie 90% |
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Bola de Berlim com Gelado de Doce de Ovo |
Mas, faltava uma última surpresa, anunciada no início da refeição! Não vos vou revelar o que foi, mas a verdade é que a chave abriu uma caixa onde estava a folha do serviço e algo que apenas a pessoa que abriu a caixa deveria experimentar. Com muita infelicidade minha, não fui eu o sortudo, mas o ar divertido e de felicidade da outra pessoa foi o suficiente para perceber que também para ela tinha sido um momento final único.
Poderia ter dito muito mais sobre o LOCO. Mas não é fácil escrever um texto sobre um menu tão extenso e tão bom, preferindo focar-me nas ideias com que fiquei em vez de focar nos sabores que senti. Tal como o LOCO, decidi ter uma abordagem diferente. Poderá haver pessoas a quem o texto não agrade, mas o que aqui quero transmitir é que têm mesmo que visitar o LOCO! Ainda agora saí de lá e já tenho saudades...
LOCO
Lisboa, Portugal
Preço Médio: < 100 €
Data da Visita: 24 de Fevereiro 2017
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